Ao final de 2025, a narrativa oficial é de estabilidade: inflação sob controle (IPCA em 4,64%), PIB crescendo 2,24%, superávit comercial robusto e desemprego ainda baixo. Mas, olhando os detalhes, a economia começa a dar sinais claros de esgotamento e vulnerabilidade — um quadro pouco discutido fora dos círculos técnicos do governo.
O que os números não contam sobre o crescimento
O crescimento real do PIB (2,24%) esconde que, do meio do ano em diante, há desaceleração em quase todos os setores, em especial na indústria e nos serviços, reflexo direto do crédito caro (Selic persistente em 15%) e redução do consumo das famílias.
O setor agropecuário fecha o ano como o grande motor (crescimento de 9,5%), mas este desempenho é atípico, dependente tanto de condições climáticas quanto do câmbio e da demanda internacional — que, com as tarifas impostas pelos EUA, já sofre recuo: uma queda de quase 25% nas exportações brasileiras para o mercado americano somente no último trimestre.
Emprego e massa salarial: qualidade em declínio
Apesar da taxa de desemprego atingir 5,6%, historicamente baixa, houve queda na população ocupada no segundo semestre e a criação de vagas formais caiu 16% em relação ao ano passado — sinal que o ritmo de criação de novos empregos estancou.
Massa salarial e rendimento real param de surpreender: projeção de crescimento foi revisada para baixo e, na prática, o aumento na renda média não compensa a desaceleração do consumo, pressionando pequenos negócios e a economia local.
Riscos estruturais se acumulam
A Dívida Bruta do Governo Geral subiu para 78,1% do PIB e, segundo projeções de mercado, pode chegar a mais de 83% em 2026. O déficit primário persiste e só fica dentro da meta devido a compensações contábeis como exclusão do pagamento de precatórios — um “jeitinho” que não resolve o desequilíbrio estrutural das contas públicas.
O saldo comercial é positivo, mas menor que em 2024. O déficit em transações correntes deve crescer e, se o cenário mundial piorar em 2026, o país pode ver o dólar disparar acima da estabilidade atual.
O que projeta quem monitora os dados
Técnica e politicamente, o Brasil enfrenta agora o risco de viver, nos próximos anos, aquilo que economistas chamam de “armadilha do crescimento baixo”: mesmo sem crise aguda de curto prazo, taxas de juros elevadas e dívida pública crescente limitam a retomada sustentável de investimentos.
O risco fiscal só não é percebido pelo público geral porque receitas federais tiveram alta pontual, sobretudo pelo bom desempenho da arrecadação em setores específicos, e não por uma reestruturação das contas do Estado.
Quais eventos podem mudar tudo? A escalada de guerra comercial entre potências, avanço do protecionismo global, ou algum choque fiscal (como fuga de capitais em função da dívida) podem desencadear turbulências abruptas — com impacto direto no câmbio e inflação.
Cenário para o cidadão comum
A verdade é que, enquanto muitos sentem alívio nos preços e no emprego formal, não há “normalidade” duradoura. A capacidade de expansão do consumo está restrita, o crédito é caro e a renda cresce menos que o desejável. O saldo é uma economia em compasso de espera: sem crise aguda, mas sem sobra de otimismo — e pronta para ser reavaliada diante de qualquer instabilidade global ou doméstica nos próximos meses.

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